quarta-feira, 4 de junho de 2008

INDIGNAÇÃO

ATENÇÃO!

Os fatos que serão relatados a seguir são totalmente verídicos, tendo sido alterados apenas os nomes das pessoas envolvidas, de instituições e do local onde ocorreu o fato.

Era por volta das sete da manhã. O céu estava nublado, ameaçava chover. Fazia frio na Cidade da Maravilhas. Mau presságio. É raro fazer frio nessa cidade. Por este motivo, Mário precisou tirar do guarda-roupas o casaco que ele já não usava há tantos meses.
Universitário, branco, 20 anos de idade: este é o perfil de Mário. Ele estuda em uma renomada universidade pública, tradicional, porém esquecida pelos governantes, e por este motivo volta e meia ocorrem greves e paralisações por parte dos funcionários e professores que reivindicam melhores salários. Mas isto não vêm ao caso neste momento. Embora o que acontecera com Mário naquele fatídico dia em parte também foi por culpa do descaso dos governantes.

Como faz parte da grande maioria da população que não tem carro e que depende do transporte público para se deslocar pela cidade, Mário acordou às 5:00h da manhã para pegar o metrô e, embora fosse bastante cedo, a grande locomotiva já estava atulhada de gente, mas Mário nem sequer cogitava a ideia de ir sentado enquanto o trem percorria cerca de dez estações até o seu destino. Como uma boa distração para aquela longa viagem, Mário já havia preparado uma set list no seu mp4 de 1GB da Boston. Nada de funk, pagode, ou hip hop: apenas a nata do heavy metal internacional. Mas também não vou me demorar aqui citando as bandas que Mário gosta de ouvir.

Cerca de uma hora de viagem, e o metrô irrompeu na estação onde Mário iria soltar. Se espremendo entre a massa disforme de pessoas aglomeradas dentro do pequeno vagão, ele conseguiu alcançar a tempo a porta deslizante e se projetar para fora do trem antes que ele seguisse viagem novamente. Porque as portas do metrô ficam abertas apenas por alguns segundos depois que o mesmo pára. Mas nada tem a ver com a história relatada aqui o pouco tempo que as pessoas dispõe para descer do metrô.

Mas afinal, o que aconteceu com Mário naquela fatídica manhã? Agora estamos perto do momento crucial. Mário saiu da estação do metrô e caminhava pela passarela que conduzia até à universidade. Ainda ouvia sua set list. Estava na última música, para ser mais exato. Havia mais pessoas ao seu redor. Homens, mulheres, jovens, idosos. E Everaldo.
Ensino fundamental incompleto, mestiço, 23 anos. Este é o perfil de Everaldo, se ele ainda estiver vivo. Morador de comunidade carente, provavelmente ele nem dormira aquela noite. Estava "ligado" demais para dormir. E naquele momento em questão estava desesperado para obter mais da droga que o mantinha naquele estado, e estava disposto a fazer tudo para conseguir dinheiro para comprá-la. Até roubar. Até matar, se necessário. Por isso se dirigiu para as proximidades de uma universidade onde ele sabia que estudavam muitos "plays". Montava uma bicicleta (provavelmente obtida por meios escusos em dias passados), o que facilitaria sua fuga caso algo acontecesse. Naquele momento ele "dava um rolé" pela passarela do metrô que havia ali perto, quando avistou sua vítima: um jovem que caminhava distraído em direção à universidade, ouvindo música em um mp3 ou mp4 player (quem nos dias de hoje ainda houve walk-man ou disk man?). Com certeza ele também teria um celular, praticamente todo mundo tem! E também teria dinheiro, pois os universitários geralmente precisam de dinheiro para se manter na faculdade (me pergunto se Everaldo sabia disso).

E foi assim que o caminho de Mário cruzou com o de Everaldo. O jovem infrator se aproximou de Mário com sua bicicleta, até estar emparelhado com ele, e então anunciou o assalto. Ficou irritado ao ser ignorado pelo universitário. Mário naquele momento estava em estado de êxtase devido ao empolgante refrão da música que ouvia, que nem notou a presença de Everaldo. Este falou mais alto, e então Mário percebeu que falavam com ele. Instantaneamente percebeu que não podia ser nada de bom, só de analisar a aparência da pessoa que falava com ele, e tirou os fones do ouvido.
- Passa tudo senão vai levar tiro! - disse Everaldo, tentando aparentar firmeza. - Celular, mp4, tudo!
Várias cenas passaram pela cabeça de Mário em um milésimo de segundo. E a cada uma delas só um sentimento se fazia prevalecer em seu íntimo: o medo. Pegou o mp4 e entregou ao ladrão, e em seguida o celular que havia comprado a menos de três meses. Pelo menos pagara à vista.
-Agora o dinheiro!
- Não tenho dinheiro!
Mentira. Mário tinha alguns trocados na carteira, mas eles não eram a sua preocupação. Sabia que quando ele puxasse a carteira, o ladrão imediatamente a arrebataria de sua mão, junto com todos os documentos e cartões que ele havia suado para tirar. Para sua sorte, Everaldo também estava tenso. Havia outras pessoas na passarela, e ele precisava sair logo dali. Mas, afinal, não tinha nada do que reclamar. Havia acabado de garantir o pó pra mais uma noite com aquela presa fácil.
- Então vaza logo daqui! - foi o que respondeu para Mário.
E foi o que Mário fez. Afastou-se o mais rapidamente do local, sem olhar para trás. E lentamente o medo foi-se esvaindo e dando lugar à raiva. Reencenou toda a cena do assalto em sua cabeça, só que agora ele tinha uma arma e a descarregava à queima-roupa no assaltante, sem a menor piedade. Pensou então se ele de fato teria coragem para cometer tal ato, e, se sim, o que poderia acontecer com ele a seguir. Por fim pensou: "Mas afinal, o que eu perdi? Um celular e um mp4 que, somados, não dão nem quinhentos reais. E minha vida, minha honra, minha consciência, valem menos que isso para eu vendê-las apenas para satisfazer a minha raiva?"E depois pensou no assaltante, no que ele ganhara com este assalto. Nada, foi o que concluiu. Provavelmente ele iria vender aqueles objetos por preços ridículos apenas pra comprar sua preciosa droga, e encurtar cada vez mais a sua vida.
Aliviado, agradeceu a Deus por ainda estar vivo e seguiu seu caminho. Sua mãe ainda podia respirar aliviada sabendo que seu filho estava seguro. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer da mãe de Everaldo.

Um comentário:

Tamiris Elga disse...

Um conto dos dias atuais, foi interessante ressaltar os pontos de vista tanto da vítima quanto à do criminoso e como mesmo a vítima no fim é quem saiu ganhando apesar de ter perdido seu mp4 e celular.